Inhabiting the Void
The House of Francisca Dumont is an exhibition built out of silence. Its title is a loose adaptation of the article “The House of Ricardo Severo”, published in 1906 in Diário Ilustrado. The coincidence is not accidental — it underscores what is missing. While the article celebrated the public figure of a man, this exhibition begins with the near-total absence of records about a woman: Francisca Santos Dumont (1877–1930).
Little is known about Francisca. We know she was born in Rio de Janeiro, lived in São Paulo, married, and had ten children. We know she was the sister of a famous aviator and the wife of a man with public recognition in culture and architecture. Her name has reached us only through these relationships. No word, no gesture, no memory directly attributed to her has survived — or if it has, it remains hidden in archives, yet to be discovered or valued. And perhaps that is why this exhibition is necessary.
Installed at Palacete Severo — in the very house where Francisca lived with Ricardo Severo — the exhibition proposes an exercise in critical imagination: a biographical simulacrum that does not aim to fill in the gaps with certainties, but to inhabit them with questions. Who was Francisca? What did she think? What did she desire?
Taking the domestic space as a point of departure — that place so often invisible and yet central in women’s lives — the exhibition reflects on the historical forms of female erasure. The house, here, becomes more than a setting: it is a body of memory. Each room suggests a hypothesis, each object summons a possible gesture.
More than telling the life of one specific woman, The House of Francisca Dumont invites reflection on how women’s stories have been (and continue to be) systematically omitted. Through fiction, it does not seek to fill the gaps with truths, but rather to open space for multiple possibilities of existence. Francisca becomes, here, a symbol for so many other women whose presence endured only in daily gestures, in imposed silences, and in the memory we dare to reconstruct.
In a time like ours, when rights once thought secured are beginning to be challenged, this “house” also speaks of the present. Women continue to face silencing, revealing how fragile rights can be when not accompanied by vigilance and action. The story of Francisca — or her absence — echoes the uncertainties of our time, reminding us that the struggle is not past nor guaranteed: it is ongoing, urgent, and collective.
Raquel Guerra
(Curator and resercher)
La Maison de Francisca Dumont est une exposition construite à partir du silence. Son titre est une adaptation libre de l’article « La Maison de Ricardo Severo », publié en 1906 dans le Diário Ilustrado. La coïncidence n’est pas fortuite — elle souligne ce qui manque. Tandis que l’article célébrait la figure publique d’un homme, cette exposition part de l’absence quasi totale de traces concernant une femme : Francisca Santos Dumont (1877–1930).
On sait peu de choses sur Francisca. Nous savons qu’elle est née à Rio de Janeiro, qu’elle a vécu à São Paulo, qu’elle s’est mariée et qu’elle a eu dix enfants. Nous savons aussi qu’elle était la sœur d’un célèbre aviateur et l’épouse d’un homme reconnu dans les domaines de la culture et de l’architecture. Son nom nous est parvenu uniquement à travers ces relations. Aucun mot, aucun geste, aucun souvenir directement attribué à elle ne nous est parvenu — ou, s’ils existent, ils demeurent enfouis dans des archives, encore à découvrir ou à valoriser. Et c’est peut-être pour cela que cette exposition s’avère nécessaire.
Présentée au Palacete Severo — dans la maison même où Francisca a vécu avec Ricardo Severo —, l’exposition propose un exercice d’imagination critique : un simulacre biographique qui ne cherche pas à combler les vides par des certitudes, mais à les habiter par des questions.
Qui était Francisca ? Que pensait-elle ? Que désirait-elle ?
Prenant l’espace domestique comme point de départ — cet espace si souvent invisible et pourtant central dans la vie des femmes —, l’exposition réfléchit aux formes historiques de l’effacement féminin. La maison devient ici plus qu’un décor : elle est un corps de mémoire. Chaque pièce suggère une hypothèse, chaque objet convoque un geste possible.
Plus qu’un récit sur une femme en particulier, La Maison de Francisca Dumont invite à réfléchir à la manière dont les histoires des femmes ont été (et continuent d’être) systématiquement omises. À travers la fiction, il ne s’agit pas de combler les vides par des vérités, mais d’ouvrir un espace pour une multiplicité de possibles. Francisca devient, ici, le symbole de tant d’autres femmes dont la présence n’a subsisté que dans les gestes du quotidien, dans les silences imposés, et dans la mémoire que nous osons reconstruire.
En un temps comme le nôtre, où des droits que l’on croyait acquis commencent à être remis en question, cette « maison » parle aussi du présent. Les femmes continuent d’être réduites au silence, révélant combien les droits sont fragiles s’ils ne sont pas accompagnés de vigilance et d’action. L’histoire de Francisca — ou son absence — résonne avec les incertitudes de notre époque, nous rappelant que la lutte n’est ni révolue ni garantie : elle est continue, urgente et collective.
Raquel Guerra
(Commissaire d'exposition et chercheuse)
Habitar o vazio
A casa de Francisca Dumont é uma exposição construída a partir do silêncio. O título adapta livremente o do artigo “A casa de Ricardo Severo”, publicado em 1906 no Diário Ilustrado. A coincidência não é inocente — ela sublinha o que está ausente. Enquanto o artigo celebrava a figura pública de um homem, esta exposição parte da ausência quase total de registos sobre uma mulher: Francisca Santos Dumont (1877–1930).
Pouco se sabe sobre Francisca. Sabemos que nasceu no Rio de Janeiro, viveu em São Paulo, casou-se, teve dez filhos. Sabemos que era irmã de um célebre aviador e casada com um nome com projeção pública na cultura e na arquitetura. É através dessas relações que o seu nome nos chegou. Nenhuma palavra, nenhum gesto, nenhuma memória que lhe seja diretamente atribuída chegou até nós — ou, se chegou, permanece oculta nos arquivos, por descobrir ou por valorizar. E talvez por isso esta exposição seja necessária.
Instalada no Palacete Severo - na casa onde Francisca efetivamente viveu com Ricardo Severo, a exposição propõe um exercício de imaginação crítica: um simulacro biográfico que não procura preencher as lacunas com certezas, mas habitá-las com perguntas. Quem era Francisca? O que pensava? O que desejava?
Tomando o espaço doméstico como ponto de partida — esse lugar tantas vezes invisível e, no entanto, central na vida das mulheres — a exposição reflete sobre as formas históricas de apagamento feminino. A casa, aqui, torna-se mais do que um cenário: é um corpo de memória. Cada divisão sugere uma hipótese, cada objeto convoca um gesto possível.
Mais do que contar a vida de uma mulher específica, A casa de Francisca Dumont convida à reflexão sobre a forma como as histórias femininas foram (e ainda são) sistematicamente omitidas. Através da ficção, não se busca preencher lacunas com verdades, mas sim abrir espaço para múltiplas possibilidades de existência. Francisca torna-se, aqui, símbolo de tantas outras mulheres cuja presença resistiu apenas nos gestos cotidianos, nos silêncios impostos e na memória que ousamos reconstruir.
Num tempo como o que vivemos hoje, em que direitos que julgávamos conquistados começam a ser postos em causa, esta “casa” fala também do presente. As mulheres continuam a enfrentar silenciamentos, que revelam quão frágeis podem ser as garantias quando não são acompanhadas de vigilância e ação. A história de Francisca — ou a ausência dela — ecoa nas incertezas do nosso tempo, lembrando-nos de que a luta não é passado nem garantida: é contínua, urgente e coletiva.
Raquel Guerra
(Curadora e investigadora)